Relatório de Trabalho do Ministério Público referente ao ano 2020

I. Situação geral do trabalho do Ministério Público

(I) Estatuto jurídico

De acordo com a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China e a Lei de Bases da Organização Judiciária, existem na região dois órgãos judiciários independentes, ou seja, os tribunais e o Ministério Público que exercem funções judiciais e jurisdicionais, respectivamente.

Nos termos do n.º 1 do artigo 90.º da Lei Básica, o Ministério Público da Região Administrativa Especial de Macau desempenha com independência as funções jurisdicionais atribuídas por lei e é livre de qualquer interferência.

(II) Atribuições e competências

Nos termos do artigo 56.º da Lei de Bases da Organização Judiciária, são atribuições do Ministério Público a representação da Região Administrativa Especial de Macau em juízo, o exercício da acção penal, a defesa da legalidade e dos interesses que a lei determine, bem como a competência de fiscalização da aplicação da Lei Básica nos termos das leis processuais. Em suma, as atribuições e competências do Ministério Público incidem sobre as acções em matérias penal, laboral, civil e administrativa, assim como certos trabalhos específicos de natureza jurídica, que concretamente se formam nas quatro áreas seguintes:

1. Representação da Região Administrativa Especial de Macau em juízo

Nos termos da lei, cabe ao Ministério Público representar em juízo a Região Administrativa Especial de Macau, a Fazenda Pública, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta.

2. Exercício da acção penal e direcção da investigação criminal

De acordo com a lei, ao Ministério Público compete exercer a acção penal, dirigir a investigação criminal, promover as diligências processuais com o apoio dos órgãos de polícia criminal, decidir se deduz ou não a acusação após a investigação e cumprir as suas atribuições nos trâmites processuais posteriores nos termos da lei.

3. Defesa da legalidade e dos interesses públicos

Ao Ministério Público compete assumir, nos casos previstos na lei, a defesa de interesses colectivos ou difusos, exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias e intervir nos processos falimentares ou de insolvência e em todos os que envolvam interesse público.

4. Fiscalização da aplicação da lei

Ao Ministério Público compete intervir nos actos judiciais nos termos da lei e dar atenção à legalidade do procedimento de julgamento, fiscalizar a imparcialidade dos processos de contratação pública e de concurso público, interpor recurso contencioso dos actos administrativos inválidos, exercer funções consultivas nos casos previstos na lei ou a pedido do Chefe do Executivo ou do Presidente da Assembleia Legislativa e exercer a competência de fiscalização da aplicação da Lei Básica nos termos das leis de processo.

(III) Modelo de funcionamento do Ministério Público

Com base no disposto nas leis processuais e nas tradições judiciárias, o Ministério Público adoptou por uma estrutura orgânica alicerçada em “um Ministério Público com afectação de serviços a três instâncias”. Com a excepção do Serviço de Acção Penal que dirige a investigação criminal e funciona no próprio Ministério Público, os magistrados do Ministério Público de três categorias diferentes, ao serem destacados respectivamente para o Tribunal de Última Instância, Tribunal de Segunda Instância, Tribunal Judicial de Base e Tribunal Administrativo, assumem as atribuições do Ministério Público em sua representação.

Para assegurar o modelo do funcionamento do Ministério Público e apoiar os magistrados no exercício das suas funções, o Ministério Público criou o Serviço do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância, o Serviço do Ministério Público junto do Tribunal de Segunda Instância, o Serviço do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Base, o Serviço do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e o Serviço de Acção Penal. Cada um destes serviços dispõe de magistrados, funcionários judiciais e quadros administrativos do Ministério Público.

Ao mesmo tempo, ao abrigo da Lei de Bases da Organização Judiciária, no Ministério Público é criado o Gabinete do Procurador que é um órgão com função independente dotado de autonomia administrativa e financeira.

Ao Gabinete do Procurador compete prestar apoio técnico e administrativo ao Procurador, coordenar a gestão de pessoal e financeira e outros trabalhos de apoio administrativo do Ministério Público.

(IV) Composição do pessoal do Ministério Público

Até 31 de Dezembro de 2020, o Ministério Público contava com 370 efectivos, compostos por magistrados (39), funcionários de justiça (136) e quadros administrativos e profissionais (195).

Existem três categorias de magistrados do Ministério Público, a saber: Procurador, Procurador-Adjunto e Delegado do Procurador, sendo que a categoria de Delegado do Procurador compreende o Delegado Coordenador e Delegado do Procurador.

Nos termos da lei, o Procurador da Região Administrativa Especial de Macau deve ser cidadão chinês de entre os residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau e é nomeado pelo Governo Popular Central, sob indigitação do Chefe do Executivo, enquanto os restantes magistrados do Ministério Público são nomeados pelo Chefe do Executivo, sob indigitação do Procurador.

Aos magistrados do Ministério Público compete investigar as causas penais, deduzir acusação, representar o Ministério Público em audiência de julgamento nos tribunais das diversas instâncias, intervir na acção penal, civil e administrativa nos termos legais.

II. Retrospectiva do trabalho referente ao ano 2020

(I) Situação geral dos trabalhos de investigação criminal

Desde o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os sectores do turismo e do jogo têm impulsionado o desenvolvimento económico da RAEM. Com o aumento das actividades dos visitantes em Macau, o número de inquéritos autuados pelo Ministério Público tem vindo a subir desde o ano 2000 que foi o primeiro ano após o retorno à pátria. Neste ano, foram autuados 9.616 inquéritos. A partir do ano 2015, foram anualmente instaurados mais de 14.000 inquéritos. Até ao ano 2020, devido à diminuição do fluxo populacional e das actividades sociais provocada pelo surto da pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus, registou-se uma descida no número total de inquéritos autuados.

No ano 2020, foram autuados no Ministério Público 10.852 inquéritos, o que representa uma diminuição de 27%, comparando com os 14.923 inquéritos autuados no ano 2019; foram concluídos 13.302 inquéritos, o que representa um decréscimo de 13,87% quando comparado com o período homólogo do ano anterior; após a investigação, 3.658 inquéritos resultaram em acusação e 9.378 em arquivamento, representando uma diminuição respectivamente de 11,39% e 14,61% quando comparado com o período homólogo do ano anterior; foram interpostos 48 recursos penais e apresentadas 410 respostas a recursos penais, o que representa uma diminuição de 35,14% e 6,82%, respectivamente, em relação ao período homólogo do ano anterior.

Analisando os dados estatísticos dos inquéritos autuados, os cinco grupos de crimes com mais inquéritos autuados no ano 2020 foram os seguintes:

a) 3.359 inquéritos de crimes de furto, roubo e dano (com uma diminuição de 33,18%);
b) 1.182 inquéritos de crimes de burla e extorsão (com uma diminuição de 35,20%);
c) 1.173 inquéritos de crimes de ofensa à integridade física (com uma diminuição de 19,44%);
d) 1.002 inquéritos de crimes provocados por acidente de viação (com uma diminuição de 11,01%);
e) 853 inquéritos de crimes relacionados com imigração ilegal (com uma diminuição de 16,54%).

Ainda, os seguintes crimes que registaram um maior número de autuações:

--- 566 crimes de falsificação, com uma diminuição de 25,82%;
--- 372 crimes informáticos, com um acréscimo de 27,40%;
--- 222 crimes contra a autoridade pública, com uma diminuição de 27,45%;
--- 220 crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais, com um acréscimo de 44,74%;
--- 181 crimes relacionados com jogo ilícito, com uma diminuição de 78,78%.

Em comparação com o ano anterior, verificou-se uma redução em diferentes graus na autuação de inquéritos da maior parte dos crimes acima referidos, registando-se a maior queda particularmente nos crimes relacionados com jogo ilícito. Das alterações registadas nestes dados, pode-se verificar que as entidades policiais da RAEM conseguiram bons resultados na prevenção e combate contra as infracções criminais, mantendo-se, assim, boa e estável a situação da segurança em Macau. Por outro lado, devido ao impacto da pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus, em diversas jurisdições foram implementadas medidas de prevenção da epidemia para a restrição severa das deslocações ou concentrações de pessoas. Deste modo, a limitação da passagem fronteiriça veio a contribuir para a diminuição dos crimes de tráfico de droga transfronteiriço para Macau por intermédio de menores e também dos crimes relacionados com o sector do jogo.

No entanto, constatamos que, com o impacto do surto epidémico sobre as formas da realização das actividades sociais, se verificou uma tendência no aumento de inquéritos autuados de crimes praticados através de Internet, e ainda surgiram crimes de burla com dinheiro falsificado “notas para treino”, crimes de tráfico de droga através do correio, e até por acostagem de embarcações, entre outros.

Merece salientar que, durante a epidemia, no que concerne às infracções de perturbação da ordem das acções de combate à epidemia, incluindo o incumprimento das medidas de quarentena de observação médica, o uso de documento de identificação alheio para compra de máscaras, a prática de burla a pretexto de venda de materiais de prevenção da epidemia, entre outras, no ano transacto, o Ministério Público, com vista a assegurar a implementação das medidas da prevenção e combate à epidemia na RAEM, promoveu com celeridade a investigação e deduziu, tempestivamente, acusações contra os infractores das leis de prevenção da epidemia nos termos legais, bem como comunicou à sociedade, em tempo oportuno, o desenrolar destes inquéritos, salvaguardando, no âmbito dos processos, o interesse público geral da RAEM em termos de prevenção e combate à epidemia.

(II) Situação geral dos processos em matéria civil e laboral

No âmbito dos processos em matéria civil e laboral, no ano 2020 foram tramitados 588 processos laborais, o que representa uma diminuição de cerca de 4,85%, face aos 618 do ano anterior, bem como 62 processos relativos à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade; foram instaurados 709 processos civis e laborais, representando um decréscimo de 8,87% em relação aos 778 do ano anterior; foram instaurados 1.067 processos internos pré-processuais, o que representa uma descida de 15,79% face aos 1.267 do ano anterior, tendo sido concluídos 1.372 processos desta natureza com um acréscimo de 0,29% quando comparado com 1.368 do ano anterior.

Quanto aos processos laborais, foram autuados 367 processos relativos a acidente de trabalho e doença profissional, no âmbito dos quais foram realizadas 412 conciliações e intentadas 24 acções; foram autuados 221 processos comuns do trabalho, no âmbito dos quais foram realizadas 238 conciliações e intentadas 12 acções; relativamente ao número de trabalhadores envolvidos nos processos supracitados, 650 trabalhadores foram conciliados e 137 intentaram a acção.

Das informações dos processos, evidencia-se uma diminuição das actividades económicas, mormente durante o período da epidemia, acompanhada da redução dos crimes de acidente de trabalho e doença profissional, representando uma diminuição de cerca de 10%. Esperamos que os sectores laborais, os empregadores e os órgãos de inspecção do trabalho se empenhem com diligência em prol da redução da ocorrência de acidentes de trabalho e doença profissional, criando, em conjunto, um ambiente ocupacional seguro.

(III) Situação geral de processos administrativos

No ano transacto de 2020, foram registados 114 processos novos no Serviço do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo, representando uma diminuição de 50,65% face aos 231 do ano anterior, dos quais existem 4 acções de indemnização intentadas na sequência de declaração de caducidade de concessões de terrenos pelo Governo da RAEM.

O Serviço do Ministério Público junto dos Tribunais de Segunda e Última Instâncias interveio em 1.248 processos do Tribunal de Segunda Instância, com uma diminuição de 10,54% quando comparado com os 1.395 do ano anterior, incluindo 14 processos relacionados com os terrenos, enquanto interveio em 194 processos do Tribunal de Última Instância, com uma diminuição de 22,78% face aos 158 do ano anterior, 58 dos quais relacionados com os terrenos.

Dos dados estatísticos acima referidos resulta que, no ano 2020, devido ao impacto trazido pela epidemia, registou-se no Ministério Público uma diminuição, quer na intervenção nos inquéritos criminais, quer na investigação dos processos pré-processuais em matérias civil e laboral, quer nos julgamentos do Tribunal Administrativo e do Tribunal de Segunda Instância. Todavia, merece a atenção que, no ano transacto, verificou-se um aumento na intervenção nos julgamentos do Tribunal de Última Instância, nomeadamente dos processos de natureza administrativa, 30% dos quais relativos a litígios de terrenos.

No ano 2010, o Governo da RAEM arrancou com o estudo dos terrenos concedidos não aproveitados e de seguida promoveu o procedimento de recuperação, o que fez com que uma grande parte dos interessados interpusessem recurso contencioso contra decisões de recuperação de terrenos tomadas pelo Governo da RAEM nos termos legais. Como alguns concessionários de terrenos, cuja concessão provisória não se converteu em definitiva antes do termo do prazo de arrendamento, foram julgados como vencidos nos processos de recurso contencioso no Tribunal de Segunda Instância, razão pela qual, no ano transacto, verificou-se um aumento contínuo de recursos relacionados com a recuperação de terrenos interpostos junto do Tribunal de Última Instância.

No âmbito dos processos instaurados na sequência da recuperação de terrenos, face às acções de indemnização intentadas pelos concessionários contra a RAEM, o Ministério Público, enquanto representante legal da RAEM em juízo, regendo-se como habitualmente pelos princípios da legalidade e da objectividade, vai defender oficiosa e afincadamente os recursos de terrenos do Estado e os interesses do património público da RAEM.

(IV) Situação geral do trabalho do Gabinete do Procurador

Tratando-se de um organismo subordinado ao Ministério Público, com funções independentes e gozando de autonomia administrativa e financeira, cabe ao Gabinete do Procurador disponibilizar o apoio jurídico, técnico e administrativo para o trabalho jurisdicional do Ministério Público.

No ano 2020, os trabalhos do Gabinete do Procurador debruçam-se principalmente sobre o seguinte:

1. Assegurou o normal funcionamento do Ministério Público em termos administrativos e financeiros conforme o definido na lei, no sentido de ser prestado aos magistrados do Ministério Público todo o apoio técnico.

2. A pedido do Chefe do Executivo e em cumprimento da instrução do Procurador, o Gabinete do Procurador submeteu ao Chefe do Executivo 11 pareceres e relatórios jurídicos nos termos da lei.

3. Prestou ao exterior 272 consultas e pareceres jurídicos.

4. Recebeu 475 denúncias apresentadas pelos serviços públicos, pessoas singulares e colectivas, e atendeu 1.050 pedidos do público para informação de carácter de direito e processual.

5. Tramitou 51 casos relativos à cooperação judiciária inter-regional e com o exterior.

6. Participou, em representação do Ministério Público, em 162 actos públicos de concurso de contratação pública e 18 intercâmbios com o exterior.

Ademais, em resposta à necessidade da actividade jurisdicional, o Gabinete do Procurador, nos últimos anos, tem-se empenhado no desenvolvimento e construção de sistemas informativos de gestão dos inquéritos do Ministério Público, nomeadamente o “Sistema de rastreamento de processos”, a “Plataforma de gestão dos inquéritos criminais”, o “Sistema integrado de tramitação dos processos” que abrange os pedidos de cooperação judiciária e os processos administrativos, o “Sistema de gestão dos objectos apreendidos”, e na exploração e aplicação dos respectivos subsistemas. Por outro lado, tem aprofundado a concepção de funções e o espaço de extensão dos sistemas em causa, cujos recursos tecnológicos contribuem para que os magistrados possam gerir os processos de forma modernizada e profissionalizada, resultando na elevação, quer da qualidade, quer da eficiência do trabalho do Ministério Público.

III. Trabalhos práticos do Ministério Público em termos jurisdicionais

(I) Combate às infracções respeitantes ao abuso sexual de menores e protecção dos seus direitos e interesses legítimos

Face ao aumento de autuação dos inquéritos dos crimes de pornografia de menor e de abuso sexual de menor praticados no ano transacto, o Ministério Público, para além de prestar a elevada atenção e combater com maior esforço as actividades criminais relativas ao abuso sexual que ofendiam os interesses de menores, adoptou algumas medidas, tais como a promoção de acção conjunta entre a família, a escola, as instituições de assistência social e a polícia, de modo a elevar a consciência social da protecção de menores e assim estabelecer uma rede preventiva para que os menores estejam afastados da ofensa, bem como introduziu aos menores a consciência e medidas de auto-protecção através dos diversos meios de comunicação social, procurando congregar as forças de cada camada social para construir, em conjunto, um ambiente seguro de crescimento saudável para os menores.

(II) Atenção e combate contínuo ao crime de violência doméstica

Desde a entrada em vigor da “Lei de prevenção e combate à violência doméstica” em Outubro de 2016, a eficácia da sua aplicação, nomeadamente a baixa taxa de acusação e condenação no que se refere aos casos de crime de violência doméstica, tem vindo a ser alvo de especial atenção pela sociedade.

No nosso entender, os processos do crime de violência doméstica implicam a aplicação rigorosa da lei, cuja maior ou menor taxa de acusação ou condenação não pode representar de forma objectiva o grau da eficiência na tramitação dos casos de violência doméstica. A existência do crime de violência doméstica depende da verificação ou não, nos actos de ofensa, dos respectivos elementos constitutivos previstos na lei, designadamente a gravidade ou repetibilidade dos actos, a vontade de prestar depoimento em audiência de julgamento por parte de vítima ou testemunha numa relação íntima com o arguido, entre outros factores que necessitam de ser tecnicamente analisados. Além disso, na prática judiciária, os actos de violência doméstica entre os membros familiares que envolvam tortura mental ou física, consoante as diversas circunstâncias, também podem constituir crimes de injúria, ameaça e ofensa simples à integridade física, até ofensa grave à integridade física cuja punição é muito mais grave do que o crime de violência doméstica. Pelo exposto, a baixa taxa de acusação e condenação pelo crime de violência doméstica stricto sensu não representa que os violadores podem escapar de sanção penal.

Nos últimos anos, o consenso social da sociedade de Macau na prevenção e punição de violência doméstica tem-se alargado continuamente, verificando-se uma tendência geral decrescente nos processos de violência doméstica. Todavia, a prevenção prevalece sobre a punição, o Ministério Público, para além de manter o grau de acusação de violência doméstica, continuou a reforçar o contacto com os serviços de assistência social e outros serviços competentes. No ano anterior, no intuito de elevar as técnicas e capacidade da equipa do Ministério Público na tramitação dos processos de violência doméstica, foi diligenciada, de forma contínua, a participação dos funcionários em acções de formação e estudos realizados pela Instituição de Acção Social, para que fosse mantida a cooperação estreita com os diversos serviços competentes e associações sociais em causas, a fim de prevenir e reprimir a violência doméstica por meios jurídicos, proporcionando assim protecção legal para famílias e ambiente social com harmonia.

(III) Participação integral no trabalho relativo ao combate do branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo

Relativamente ao crime de branqueamento de capitais, foram autuados 25 inquéritos e deduzidas 11 acusações pelo Ministério Público no ano 2020, o que representa uma diminuição de 23 autuações e aumento de 1 acusação, em comparação com o período homólogo do ano 2019, pelo que dos dados estatísticos resulta que a taxa da prática de crime de branqueamento de capitais se mantém, em geral, num âmbito controlável.

Sendo o órgão judiciário que exerce atribuições jurisdicionais nos termos de lei, este Ministério Público, desde que receba quaisquer notícias do crime de branqueamento de capitais, incluindo os relatórios de transacções suspeitas ou demais participações apresentados voluntariamente por instituições financeiras ou outras instituições sujeitas à fiscalização e encaminhados pelo Gabinete de Informação Financeira, acompanha-os activamente ao abrigo da lei e em caso de crime transfronteiriço, tem envidado esforços na procura de assistência judiciária internacional ou regional com vista à recolha de provas, destinando-se a punir o infractor.

Desde o início do ano 2020, devido ao impacto da epidemia, registaram-se menos deslocações ao exterior para intercâmbio e acções de formação relativos ao combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, contudo, as actividades de formação continuam a ser realizadas na Internet. O Ministério Público, enquanto membro do Grupo de Trabalho Interdepartamental contra o Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo da RAEM, tem vindo a participar activamente em formações por videoconferência e manter, com vista a reforçar a formação profissional dos funcionários de execução de leis na linha da frente, contacto estreito com os serviços competentes, sendo convidado para proceder a palestras temáticas destinadas a esses trabalhadores para partilhar a experiência na prática judiciária de combate ao branqueamento de capitais e cooperação judiciária na matéria penal da RAEM. Esperamos que, com os esforços conjuntos prestados pelos serviços administrativos competentes da RAEM e pelo Ministério Público, iremos elevar constantemente a capacidade de inspecção antecedente e investigação na área de combate ao branqueamento de capitais, e prevenir e reprimir conjuntamente as respectivas actividades ilícitas, no sentido de assegurar verdadeiramente a segurança e estabilidade do sistema financeiro da RAEM.

IV. Problemas necessariamente enfrentados no trabalho

(I) Recurso humano de magistrados

O recurso humano traduz-se na garantia fundamental de uma instituição com um funcionamento normal.

Até 31 de Dezembro de 2020, estavam ao serviço do Ministério Público um total de 39 magistrados incluindo um Procurador, 9 Procuradores-Adjuntos, 5 Delegados Coordenadores e 24 Delegados do Procurador.

Dos 39 magistrados, 3 são magistrados de nacionalidade portuguesa, contratados em regime de contrato.

Além disso, 3 magistrados do Ministério Público desempenham funções em outros órgãos públicos, a saber: 1 Procurador-Adjunto que exerce funções como Secretário para a Segurança, 1 Procurador-Adjunto como Comissário contra a Corrupção e 1 Delegada do Procurador como Adjunta do Comissário contra a Corrupção.

Nos anos recentes, alguns magistrados locais e de nacionalidade portuguesa cessaram funções por motivo de aposentação voluntária ou por atingirem a idade máxima para o exercício de funções públicas, e ainda, alguns magistrados do Ministério Público aceitaram o desempenho, em regime de comissão de serviço, do cargo de natureza administrativa, situações essas que levaram à escassez de recursos humanos na magistratura do Ministério Público.

Depois da aposentação de dois magistrados no ano 2021, o número de magistrados do Ministério Público em exercício reduzirá de 39 para 37, e atenta a probabilidade de alguns poderem requerer a aposentação voluntária nos termos da lei, poderá vir a verificar, em curto prazo, uma escassez crescente de recursos humanos na magistratura do Ministério Público.

Actualmente, o Governo da RAEM já respondeu a solicitação e iniciou um novo concurso para admissão ao curso de formação de magistrados, pelo que cremos que, finda a formação para ingresso na carreira de magistratura, a situação de escassez de recursos humanos de magistrados do Ministério Público poderá ser atenuada. Porém, até os magistrados estagiários concluírem o seu estágio, os magistrados em exercício, ao cumprirem as suas funções jurisdicionais, enfrentarão uma maior pressão no seu trabalho.

A longo prazo, com vista a assegurar a articulação dos recursos humanos da equipa de magistrados, o Ministério Público em conjunto com o Tribunal e com os serviços públicos responsáveis pelos assuntos de justiça da RAEM, irá reforçar a avaliação e a revisão do mecanismo de formação de magistrados para o ingresso nos órgãos judiciários, garantindo assim a disponibilidade de recursos humanos de magistrados adequados para o eficaz cumprimento das atribuições previstas na lei por parte dos órgãos judiciários.

(II) Revisão do Estatuto dos Funcionários de Justiça

Desde o início do retorno à Pátria até 31 de Dezembro de 2020, os funcionários de justiça do Ministério Público aumentaram de 46 para 136, número este que satisfaz basicamente a necessidade dos respectivos recursos humanos.

Nos últimos anos, acompanhando a mudança do desenvolvimento socioeconómico da RAEM, os processos contenciosos têm aumentado tanto na quantidade como na sua complexidade, do qual resulta a elevação da exigência da profissionalização dos funcionários de justiça no trabalho judiciário. Para garantir o aumento da qualidade e uma boa gestão da equipa de funcionários de justiça, tornar-se-á necessário o aperfeiçoamento, conforme a evolução da realidade, dalgumas vertentes, nomeadamente os requisitos das habilitações académicas para o ingresso na carreira de oficiais de justiça, o processo de acesso e formação destinado a funcionários de justiça, o concurso, a formação e o tipo de provimento para as chefias, e por outro lado, tornar-se-á necessário, em tempo oportuno, proceder-se ao estudo de revisão do “Recrutamento, selecção e formação dos funcionários de justiça” e do “Estatuto dos funcionários de justiça” e à introdução do regime dos prémios e incentivos ao desempenho, no sentido de assegurar a estabilidade da equipa dos funcionários de justiça do Ministério Público e melhor elevar a qualidade e a eficiência no seu trabalho.

(III) Promoção legislativa da informatização dos processos judiciais

A Lei n.º 2/2020 (Governação electrónica), com entrada em vigor no dia 27 de Setembro de 2020, regula as actividades administrativas dos Serviços Públicos em geral, cujo âmbito de aplicação não se estende aos trabalhos processuais dos órgãos judiciários.

Segundo o que é previsto na Lei da Governação electrónica, as respectivas disposições são, por despacho do Senhor Procurador, aplicáveis à actividade administrativa do Gabinete do Procurador.

No âmbito da tramitação processual, com vista a elevar a precisão e eficiência dos trabalhos processuais e sem prejuízo da aplicação do regime jurídico vigente, o Ministério Público aproveita o sistema de formulários jurídicos electrónicos e o sistema dos inquéritos electrónicos já existentes para apoiar o trabalho judiciário interno. Presentemente, tomando como referência a experiência de sucesso da plataforma de gestão complexa da política e justiça das procuradorias do Interior da China, o Gabinete do Procurador está a desenvolver e melhorar, de forma contínua, o sistema informático de gestão interna dos processos do Ministério Público.

Com o desenvolvimento desta era, designadamente o progresso contínuo em tecnologias informática, traz não só enorme mudança para o sistema de governação social e forma de vida, mas também desafios para o funcionamento tradicional do processo judicial. Entendemos que a promoção da informatização do processo será algo que acompanha as exigências e tendência do desenvolvimento. Pelo exposto, o Ministério Público tem a grande expectativa de que o Governo da RAEM possa arrancar e impulsionar, oportunamente, as medidas legislativas respeitantes à informatização dos processos judiciais, de modo a elevar o grau de partilha de dados entre os órgãos de polícia, o Ministério Público e o Tribunal, e criar uma plataforma de dados no âmbito de processos e assuntos de justiça da RAEM, em prol da união de recursos judiciárias e melhor eficiência judiciária.

(IV) Mudança para o novo Edifício do Ministério Público e dotação de pessoal

Desde o ano 2017, o Gabinete do Procurador tem acompanhado activamente a obra de construção do novo Edifício do Ministério Público, no sentido de resolver a inconveniência causada pelo facto de o Serviço de Acção Penal e o Gabinete do Procurador funcionarem em diferentes edifícios comerciais ao longo dos anos. Com a conclusão da construção do novo Edifício em Setembro de 2020, o Gabinete do Procurador e o Serviço de Acção Penal mudaram de forma sucessiva e ordenada para o novo Edifício em finais do ano 2020 como planeado, enquanto os outros serviços continuam a funcionar nos diversos edifícios dos tribunais.

Com a entrada em funcionamento do novo Edifício do Ministério Público, o Serviço de Acção Penal e o Gabinete do Procurador funcionam no mesmo edifício, dispondo de instalações mais aperfeiçoadas e profissionais. Em simultâneo, a equipa de magistrados do Serviço de Acção Penal pode adquirir de forma mais directa e célere todo o apoio técnico e administrativo do Gabinete do Procurador. Este modelo de funcionamento contribui para a elevação da eficiência do trabalho e a melhoria da gestão de segurança do Ministério Público, alicerçando não apenas um melhor cumprimento das atribuições legalmente previstas, mas também a prestação dum serviço de boa qualidade aos cidadãos por parte do Ministério Público.

Por outro lado, tendo em conta o modo de funcionamento de “um Ministério Público com afectação de serviços a três instâncias”, com a construção planeada do edifício dos tribunais de três instâncias no futuro, o Ministério Público irá de novo ponderar toda a dotação do pessoal nos respectivos serviços.

V. Perspectiva de trabalho para o futuro

(I) Interpretação correcta da política de “um país, dois sistemas” e defesa espontânea da segurança do Estado

Volvidos vinte anos após o retorno de Macau, com a orientação do Governo Central e apoio dos diversos sectores da sociedade de Macau, a RAEM concretizou com sucesso a grande ideia de “um país, dois sistemas”, sendo nós os praticantes na sua história e testemunhas do desenvolvimento da RAEM durante estes vinte anos. A experiência comprova que “um país” é o pressuposto e base de “dois sistemas”, a paz, estabilidade duradoira e desenvolvimento próspero da RAEM só podem ser assegurados desde que se efectue uma conexão orgânica entre a soberania, a segurança e os interesses do desenvolvimento do Estado e os interesses do desenvolvimento de Macau.

Tratando-se de um órgão judiciário que exerce atribuições jurisdicionais, o Ministério Público é o defensor do Estado de direito da RAEM. Face à complexa conjuntura internacional , devemos conhecer correctamente e compreender profundamente o significado intrínseco e extensivo da política de “um país, dois sistemas”, defender espontaneamente a segurança do Estado, assumir e cumprir activamente o dever constitucional de salvaguardar a soberania, segurança e interesses do desenvolvimento do Estado, bem como assegurar a ordem constitucional da RAEM consagrada pela Lei Constitucional do Estado e Lei Básica, proporcionando assim uma forte protecção judiciária à implementação e garantia estável e duradoura de “um país, dois sistemas” na RAEM e ao desenvolvimento saudável da sociedade de Macau.

(II) Impulsionamento da formação profissional contínua para magistrados e reforço da fiscalização da integridade e elevação da qualidade e eficiência do trabalho

Hoje em dia, altura em que o mundo se encontra a ser mais globalizado e informatizado, o desenvolvimento político, económico e de assuntos cívicos da sociedade varia diariamente, trazendo constantemente desafios ao trabalho dos órgãos judiciários. Assim, a contínua formação profissional e elevação do nível profissional constituem elementos essenciais para manter a qualidade dos magistrados, a fim de assegurar que os mesmos possuam conhecimentos profissionais suficientes e prestem serviços judiciários excelentes à sociedade.

Por outro lado, tendo em consideração a situação concreta de que a relação interpessoal é estreita e vários interesses se cruzam na sociedade de Macau, o Ministério Público necessita de consolidar continuamente o conceito da integridade da equipa dos magistrados e dos trabalhadores do Ministério Público no seu trabalho e fortalecer o mecanismo de fiscalização interna, no sentido de assegurar a imparcialidade e justiça e potência judiciária, adquirindo a confiança dos cidadãos.

No intuito de reforçar a formação contínua da equipa dos magistrados do Ministério Público, esperamos que, quando dispuserem de uma dotação razoável de recursos humanos, os órgãos judiciários aperfeiçoem e impulsionem um regime de formação sistemático e contínua dos magistrados, e assim elevar ininterruptamente o profissionalismo e competência dos magistrados na sua prática de trabalho com qualidade e eficiência , fazendo com que se disponibilize uma protecção judiciária para salvaguardar o Estado de direito da RAEM e assegurar o seu desenvolvimento harmonioso.

VI. Conclusão

Sintetizamos a situação do funcionamento do ano 2020 do Ministério Público da RAEM, da seguinte forma:

(I) Considerando a reduzida mobilidade demográfica devido à epidemia da pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus, registou-se uma queda no número de inquéritos tramitados pelo Ministério Público no ano 2020 em comparação com o ano anterior, todavia, há uma subida na intervenção nos julgamentos do Tribunal de Última Instância, entre os quais cerca de 30% se relacionam com litígios derivados da recuperação de terrenos. O Ministério Público oficiosamente irá envidar os maiores esforços na defesa dos terrenos do Estado e interesses do património público da RAEM, com a observação dos princípios da legalidade e objectividade.

(II) Existem diferentes níveis de redução nos inquéritos autuados dos diversos crimes, entre os quais se destacam manifestamente os inquéritos relacionados com jogo ilegal, mas constata-se um acrescimento notável no âmbito de pornografia de menor e abuso sexual de menor em comparação com o ano anterior. Pelo exposto, o Ministério Público irá reforçar o combate às actividades criminosas que prejudicam os interesses dos menores e solidificar, em conjunto com diversos sectores da sociedade, a consciência social de protecção dos menores e construir uma rede de protecção de segurança dos menores.

(III) Durante a epidemia da pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus, a restrição severa das deslocações ou concentrações de pessoas implementada em diversas jurisdições levou às alterações de tipos e modus operandi de crimes, passando a registar menos inquéritos relativos ao tráfico de droga em Macau e tráfico de droga transfronteiriço para Macau por intermédio de menores, mas verificaram-se novos meios de tráfico de droga raramente encontrados no passado, designadamente, através do correio ou por acostagem de embarcações. Em simultâneo, constatou-se uma tendência no aumento de inquéritos autuados de crimes cibernéticos e de burla com dinheiro falsificado “notas para treino”.

(IV) Relativamente às infracções que violaram a ordem de prevenção e combate à epidemia, o Ministério Público acelerou a investigação, deduziu tempestivamente a acusação e comunicou em tempo oportuno à sociedade o desenrolar dos respectivos inquéritos, tendo reforçado no âmbito dos processos a salvaguarda do interesse público geral da RAEM em termos de prevenção e combate à epidemia.

(V) Com vista a prevenir e reprimir a violência doméstica, o Ministério Público tem mantido cooperação estreita com os diversos serviços competentes e associações em causa, prestando assim a protecção legal em prol da manutenção da harmonia familiar e promoção da harmonia e paz social.

(VI) Com o objectivo de assegurar efectivamente a segurança e estabilidade do sistema financeiro da RAEM, o Ministério Público tem mantido cooperação estreita com os diversos serviços competentes, no sentido de prevenir e reprimir, em conjunto, as actividades ilícitas de branqueamento de capitais, mantendo-se a taxa da prática do crime de branqueamento de capitais num âmbito controlável.

(VII) Tendo por fim garantir a estabilidade e aperfeiçoamento dos recursos humanos de magistrados e funcionários de justiça, o Ministério Público irá cooperar de modo estreito com os serviços públicos responsáveis pelos assuntos de justiça, impulsionar a formação profissional contínua para os magistrados, a construção de mecanismo de estágio e formação para ingresso na magistratura e o aperfeiçoamento do regime de gestão dos funcionários de justiça.

(VIII) O Gabinete do Procurador tem desenvolvido e aperfeiçoado o sistema informático de gestão interna de inquéritos do Ministério Público de forma a elevar a qualidade e eficiência do trabalho por meios tecnológicos e irá manter cooperação estreita com os serviços públicos responsáveis pelos assuntos de justiça para reunir os recursos judiciários, promovendo oportunamente a digitalização dos processos judiciais e uma plataforma de dados para partilha de informações de matéria de processos.

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Na perspectiva do futuro, o Ministério Público da RAEM irá, como habitualmente, observar as disposições da Lei Constitucional e Lei Básica, defender o princípio de “um país, dois sistemas”, persistir na salvaguarda da soberania, segurança e interesses do desenvolvimento do Estado, cumprindo rigorosamente as atribuições jurisdicionais de defensor do Estado de direito da RAEM.

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