Sua Excelência o Chefe do Executivo
Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa
Ex.mo Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância
Ex.ma Senhora Secretária para a Administração e Justiça
Ex.mo Senhor Presidente da Comissão Independente Responsável pela Indigitação dos Candidatos ao Cargo de Juiz
Ex.mo Senhor Presidente da Associação dos Advogados de Macau
Ilustres convidados e amigos dos sectores judicial e jurídico
Senhoras e Senhores
Antes de mais, gostaria de agradecer a todos os convidados pela vossa presença na Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário 2019/2020, presidida por Sua Excelência o Chefe do Executivo.
Em Outubro, época de Outono dourado, foi celebrado, há poucos dias, o 70.º Aniversário da Implantação da República Popular da China, enquanto se aproxima o 20.º Aniversário da criação da Região Administrativa Especial de Macau. Hoje, reunimo-nos aqui para participar nesta 20.ª Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário, presidida por Sua Excelência o Chefe do Executivo, desde a criação da RAEM, o que representa um significado extraordinário neste ano de dupla celebração.
Nos tempos remotos, quando os homens atingiam a idade de 20 anos, realizava-se, segundo a tradição da cultura chinesa, a cerimónia de atribuição de chapéu, o que simbolizava a passagem para a vida adulta, como um estímulo moral. Nesta ocasião, permitam-me, em nome do Ministério Público, e perante todos os convidados, fazer uma retrospectiva geral do Ministério Público, em termos do seu progresso nestes 20 anos passados, e, ao sintetizar a situação do funcionamento do Ministério Público no ano judiciário transacto, exploramos igualmente as linhas orientadoras do Ministério Público da RAEM que, na nova conjuntura do desenvolvimento da iniciativa de “Um País, Dois Sistema”, vai herdar o passado e abrir novos horizontes, no sentido de evidenciar a justiça e cumprir as atribuições enquanto defensor do primado da lei da RAEM, de forma mais eficaz.
No dia 20 de Dezembro de 1999, data do estabelecimento da RAEM, em observância com a Lei Básica, a Assembleia Legislativa promulgou a Lei de Bases da Organização Judiciária e o Estatuto dos Magistrados, vindo a ser criado o sistema judiciário da RAEM, em articulação com as respectivas disposições da Lei Básica. Ademais, beneficiando da implementação dos princípios “Um País, Dois Sistemas”, “Macau governado pelas suas gentes e com alto grau de autonomia”, a RAEM tem gozado assim de poder judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância. Sendo um órgão judiciário da RAEM na assunção das funções jurisdicionais, o Ministério Público continua a observar as atribuições judiciárias junto com os tribunais.
Ao abrigo das disposições da Lei de Bases da Organização Judiciária, nas competências do Ministério Público compreende-se uma série de tarefas, no que se refere às acções penal, civil, laboral, administrativa e à defesa de interesses públicos nas situações legalmente previstas, cabendo-lhe, nos termos da lei, a representação da RAEM, a defesa de interesses difusos e de direitos e interesses legítimos de grupos vulneráveis nas acções judiciais, fiscalizando legalmente a aplicação das leis, cumprindo e salvaguardando as suas atribuições enquanto defensor do primado da lei.
Desde o retorno à Pátria, tendo em conta a situação concreta da RAEM e a tradição histórica do funcionamento do Ministério Público, este tem funcionado numa estrutura alicerçada em “um Ministério Público com afectação de serviços a três instâncias” e foi criado, em conformidade com a lei, o Gabinete do Procurador, dotado de autonomia administrativa e financeira, com o objectivo de prestar apoio técnico e administrativo no que respeita à garantia institucional e à distribuição dos recursos, de modo a que seja assegurado o cumprimento das atribuições por parte do Ministério Público de forma independente, objectiva e com alta eficiência.
Depois da criação da RAEM, sob o impulso do desenvolvimento do sector do jogo e turismo, a economia da RAEM mantém-se em crescimento célere, acompanhada da mudança diversificada na estrutura populacional e na reivindicação social, nomeadamente, a subida contínua do número de visitantes na entrada e saída dos postos fronteiriços, fazendo com que o Ministério Público enfrente diversos desafios. A título exemplificativo, podemos, desde logo, sublinhar que no primeiro ano judiciário após o retorno, o Ministério Público instaurou aproximadamente 7.400 processos-crimes, enquanto que, a partir do ano 2015, foram instaurados, anualmente, mais de 14.000, tendo-se registado subsequentemente um aumento nas acusações de 1.300 proferidas no primeiro ano após a criação da RAEM para 4.121 acusações no ano judiciário transacto; e em simultâneo, registou-se um acréscimo na intervenção em recursos nos Tribunais de Segunda e Última Instâncias, verificando-se um significativo aumento quando comparados os 200 do ano 2000 com os 1.522 do ano passado, os quais também se mostraram mais complexos. Assim, o Ministério Público vem expressar os seus sinceros agradecimentos aos serviços da Administração da área da justiça que se empenharam no apoio e coordenação no respeitante à actualização do quadro de pessoal e à formação dos magistrados e oficiais de justiça do Ministério Público, pois uma afectação adequada dos recursos humanos é a base objectiva para o Ministério Público poder cumprir as suas atribuições com eficiência e eficácia.
Nos anos recentes, no intuito de elevar a qualidade e a eficiência do trabalho, o Ministério Público tomou a iniciativa de criar os sistemas informáticos de gestão de processos, tramitação de expedientes e procedimentos internos, por forma a disponibilizar condições de apoio à electronização do serviço do Ministério Público. Acreditamos, que com o aperfeiçoamento gradual dos sistemas informatizados de gestão de processos e das instalações do serviço, é possível melhorar a eficiência do trabalho no Ministério Público e melhor servir a população.
No ano judiciário 2018/2019, foram autuados 14.714 inquéritos, o que representa uma subida de cerca de 1%, comparando com os 14.517 inquéritos autuados no ano judiciário anterior; foram tramitados 640 processos laborais, o que representa uma diminuição de cerca de 23%, face aos 834 do ano judiciário anterior; foram instaurados 793 processos civis e 1.387 processos internos pré-processuais em matéria civil, tendo sido concluídos 1.411 processos desta natureza; em relação às acções penais que constituem o principal exercício do Ministério Público, dos 14.956 inquéritos concluídos no ano judiciário transacto, foram deduzidas 4.121 acusações e proferidos 10.523 despachos de arquivamento, após a investigação; dos processos tramitados pelo Serviço do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo, foram apresentados 555 vistas, articulados ou requerimentos.
Paralelamente, à medida que têm aumentado os processos instaurados e findos do Tribunal Judicial de Base, tem sido registado um acréscimo gradual dos recursos aos Tribunais de Segunda e Última Instâncias nos últimos anos. No ano judiciário transacto, foram recebidos pelo Serviço do Ministério Público, 1.371 processos de várias espécies, junto do Tribunal de Segunda Instância, e, 151, junto do tribunal de Última Instância.
Excelentíssimo Senhor Chefe do Executivo e todos os convidados,
O Ministério Publico tem crescido com a RAEM, que tem observado rigorosamente a Constituição e a Lei Básica após o seu retorno à pátria. Com o apoio do Governo Central e esforços envidados por todos os cidadãos da RAEM, a grande prática de “Um País, Dois Sistemas” tem alcançado resultados frutíferos na RAEM. Graças às diligências conjuntas dos juristas da RAEM ao longo dos anos, o sistema jurídico da RAEM tem sido aperfeiçoado. Todavia, a diversidade do desenvolvimento da sociedade não deixa de trazer desafios ao aperfeiçoamento do nosso sistema jurídico e o Ministério Público chama a atenção de todos sobre as seguintes questões encontradas na prática judicial, com vista a incentivar uma discussão conjunta com os vossos contributos valiosos.
Em primeiro lugar, prorrogação adequada da prescrição do procedimento penal para elevar a eficiência do combate aos crimes funcionais
A boa governação com integridade é exigência básica para que a sociedade moderna seja governada com alta eficiência, os crimes de corrupção destroem os valores, a ética, a imparcialidade e a justiça duma sociedade íntegra, prejudicando a sua estabilidade e o primado da lei, pelo que a prevenção e o combate à corrupção constituem uma exigência fundamental para o desenvolvimento da sociedade moderna.
Analisadas as decisões judiciais, desde o retorno, relativas a crimes funcionais, verifica-se um aumento da exigência, por parte da sociedade, sobre a integridade, dando cada vez mais importância à prevenção geral e prevenção especial desses crimes, não sendo rara a punição de funcionários públicos titulares de alto cargo ou com funções importantes na pena de prisão superior a 10 anos, e noutros casos, a punição de funcionários públicos na pena de prisão inferior a 3 anos, mas sem suspensão da pena.
À medida que a sociedade requer um grau mais alto na integridade dos funcionários públicos, notamos que o regime de crimes funcionais tem espaço para ser aperfeiçoado, designadamente no que se refere à moldura penal, que, para alguns tipos, é manifestamente leve.
Além disso, quando se apura que um funcionário tenha recebido vantagem, aproveitando o exercício das suas funções, mas não existindo prova de que a referida vantagem é tida como contrapartida da prática de um acto específico inerente às suas funções, face ao princípio de nullum crimen sine lege, ele não pode ser punido pelo crime de corrupção passiva segundo a lei penal vigente. Assim sendo, com vista a colmatar a lacuna existente no regime de crimes cometidos no exercício de funções públicas, no nosso entender, deve ser estabelecido um novo tipo de crime contra o recebimento indevido de vantagem.
Por outro lado, os crimes funcionais prejudicam gravemente a justiça no exercício do poder público e a confiança dos cidadãos nele depositada. Tendo em consideração que os funcionários públicos corrompidos podem utilizar os seus poderes para ocultar os factos da sua conduta criminosa, é provável que a respectiva investigação para a obtenção de provas seja morosa, devido à natureza altamente oculta dos respectivos factos. Contudo, a pena de prisão prevista no Código Penal relativa à corrupção passiva para acto lícito e corrupção activa para acto lícito é de duração curta, o que leva a que os criminosos possam ficar impunes face ao facto de o respectivo procedimento penal poder extinguir-se rapidamente por efeito de prescrição. Por isso, tendo em conta a exigência do reforço do combate à corrupção, entendemos ser necessário proceder ao estudo relativamente ao aumento da moldura penal de alguns crimes de corrupção e ao estabelecimento de um prazo maior de prescrição do procedimento penal dos crimes funcionais, tomando como referência o sugerido no artigo 29.º da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, evitando institucionalmente que os criminosos sejam beneficiados de impunidade pela rápida extinção do procedimento penal em virtude do decurso do tempo.
Em segundo lugar, plataforma digitalizada dos órgãos judiciários e trabalho de legislação
Em articulação com a promoção e implementação de “Uma Faixa, Uma Rota” e de Grande Baía Guangdong/Hong Kong/Macau, planeia-se o desenvolvimento da RAEM com base no seu posicionamento como “Um Centro, Uma Plataforma, Uma Base”. Com a globalização económica e a tendência crescente do fluxo de pessoas, os casos de cooperação relativa a conflitos transregionais na área civil, comercial e penal vão aumentando.
Hoje em dia, com o desenvolvimento célere de tecnologias, há cada vez mais países e regiões a tirarem partido das tecnologias informáticas para elevar a eficiência judiciária, entre os quais o resultado da aplicação da plataforma digitalizada dos órgãos judiciários do Interior da China está à vista de todos, dando como exemplo, as declarações dos participantes ou partes interessadas, nomeadamente testemunhas, peritos e arguidos que se encontram em local distante, podem ser prestadas através de vídeoconferência, medidas essas que desbloqueiam obstáculos geográficos e economizam o tempo de preparação de diligências processuais, elevando a eficiência processual, e com resultado mais evidente quando se trata de criminalidades transnacionais ou criminalidades organizadas graves.
Nestes últimos anos, a RAEM tem recebido pedidos de cooperação judiciária de entidades do exterior, solicitando que a testemunha ou parte interessada, que se encontra em Macau, preste declarações através de vídeoconferência, para produção de provas, todavia, tal ainda não foi concretizado, por razões diversas, designadamente pela questão da legalidade, devido à falta de normas jurídicas que regulem a produção de provas através de vídeoconferência.
Tendo em conta a viabilidade atribuída pelo desenvolvimento de tecnologias, parece-nos que a RAEM deve iniciar um estudo sobre a produção de prova à distância através de videoconferência, esperando que a RAEM possa promover oportunamente a respectiva produção legislativa.
Excelentíssimos convidados, em Macau, onde se aplica tradicionalmente o direito positivo, munido de leis para seguir como exigência básica do princípio do primado da lei, foi criado, segundo este princípio, um sistema jurídico com enquadramento jurídico completo, possuindo diversos códigos que regulam todas as matérias principais. Contudo, com o desenvolvimento célere da sociedade, torna-se premente a actualização e modernização do regime jurídico de Macau, como por exemplo, no que respeita à operacionalidade da definição de violência doméstica e a sua concretização, aspectos estes com que os cidadãos se preocupam, à não criminalização da saída clandestina de pessoas de Macau, à eventual inibição de conduzir aos arguidos, na fase de investigação ou na pendência do processo, por terem conduzido em estado de embriaguez ou sob influência de droga, os quais possam vir a ser inibidos de conduzir em caso de condenação. Tais questões merecem o estudo dos colegas da área jurídica de Macau e o seu aperfeiçoamento gradual por via legislativa.
Excelentíssimo Senhor Chefe do Executivo, e excelentíssimos convidados,
Acompanhando o crescimento da RAEM, o Ministério Público, com a aproximação da data festiva, o 20.º Aniversário do Estabelecimento da RAEM, manifesta os seus sinceros agradecimentos, ao Governo da RAEM e aos diversos sectores da sociedade pela atenção dispensada e todo o apoio prestado ao trabalho do Ministério Público ao longo dos anos. Nesta ocasião, gostaria de endereçar os meus sinceros agradecimentos aos colegas magistrados, oficiais de justiça, pessoal administrativo dos órgãos judiciários da RAEM e aos colegas da advocacia pelos esforços envidados para a construção do nosso sistema jurídico.
Servindo a história de referência e tendo as lições do passado como lições para o futuro, permitam-me, antes de terminar o meu discurso, citar o poema “Quadro de bambus de tinta” do poeta da Dinastia Qing, Zheng Ban Qiao, com o fim de encorajar os colegas magistrados, oficiais de justiça e pessoal administrativo do Ministério Público, para terem sempre na mente a pretensão inicial aquando do ingresso no Ministério Público, e trabalharem com dedicação, mantendo o espírito de que a justiça serve o povo, cumprindo em conjunto as atribuições legalmente previstas, nomeadamente, o papel do Ministério Público enquanto defensor do primado da lei.
“Oferecimento do quadro de bambus desenhado na sede do Governo do Distrito de Wei a Bao Kuo, pai dum seu colega do mesmo concurso de ingressão, e Xunfu (governador) de Shandong em exercício.”
Deitado na minha modesta residência oficial, ouve-se o assobiar do vento a bater nos bambus, como se fosse a voz angustiada do povo.
Apesar de sermos oficiais de categoria inferior, todas as ninharias do povo merecem a nossa atenção.
Obrigado a todos e desejo boa saúde e prosperidade a todos os convidados.
Estatísticas do Ministério Público referentes ao ano judiciário 2018/2019