Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário 2017/2018
Discurso do Procurador Ip Son Sang

Sua Excelência o Chefe do Executivo
Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa
Ex.mo Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância
Ex.ma Senhora Secretária para a Administração e Justiça
Ex.mo Senhor Presidente da Comissão Independente Responsável pela Indigitação dos Candidatos ao Cargo de Juiz
Ex.mo Senhor Presidente da Associação dos Advogados de Macau
Ilustres convidados e amigos dos sectores judicial e jurídico
Senhoras e Senhores

Hoje, realiza-se aqui, por força da Lei de Bases da Organização Judiciária, a Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário 2017/2018 presidida por S. Exa. o Chefe do Executivo. Antes de mais, permitam-me apresentar, em nome de todo o pessoal do Ministério Público da RAEM, os sinceros agradecimentos e saudações a S. Exa. o Chefe do Executivo e a todos os convidados presentes.

No passado Ano Judiciário 2016/2017, o Ministério Público autuou 14.655 processos penais, representando uma subida de 5% em comparação com os 13.964 processos registados no ano judiciário passado; foram tramitados 810 processos laborais, representando um aumento de 25% face aos 647 processos registados no ano judiciário transacto; foram instaurados 693 processos civis*, 1.094 processos administrativos internos em matéria civil e concluídos 1.234 processos no ano judiciário anterior; em relação às acções penais que constituem o principal trabalho do Ministério Público, dos 16.823 processos concluídos no ano judiciário transacto, foram deduzidas 4.421 acusações e arquivados 12.084 processos após a investigação. No ano judiciário passado, dos processos tramitados pelo Serviço do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo, foram apresentados 1.708 vistas e articulados. Dado o aumento do número de processos instaurados e findos pelo Tribunal Judicial de Base, têm aumentado anualmente os recursos para o Tribunal de Segunda Instância. Daí, conclui-se que o Ministério Público, face ao grande volume de processos a tramitar, ainda conseguiu um progresso na qualidade e eficiência da tramitação de processos, sendo um resultado difícil de obter pelo facto de o Ministério Público estar apenas dotado de 36 magistrados efectivos. Por isso, por ocasião desta Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário, permitam-me endereçar, na qualidade do Procurador, os sinceros agradecimentos a todos os magistrados, oficiais de justiça e funcionários do Gabinete do Procurador pelo seu trabalho, dedicação e esforço.

A institucionalização é uma matéria que merece reflexão constante na sociedade moderna, à qual o Ministério Público tem dado resposta activamente a nível de teorias e práticas. De facto, os tipos e modalidades criminais variam consoante as diferentes fases do desenvolvimento da sociedade. Por exemplo, têm aumentado nos últimos anos os crimes de branqueamento de capitais, os crimes informáticos, as burlas telefónicas e outras infracções cujo cometimento exige capacidade intelectual do criminoso, trazendo assim novos desafios aos trabalhos de investigação e de acusação do Ministério Público. Face ao exposto, os magistrados do Ministério Públicos mantêm-se atentos à situação e tomam atempadamente diligências necessárias. Após a entrada em vigor da Lei n.º 2/2016 (Lei de Prevenção e Combate à Violência Doméstica), o Poder Público intervém directamente e pune criminalmente as infracções de violência doméstica cometidas no âmbito da vida privada, como forma de proteger a inviolabilidade da dignidade humana, enquanto valor fundamental do Estado de Direito. No Ano judiciário antecedente, o Ministério Público, em colaboração estreita com os serviços de acção social e órgãos policiais, instaurou 63 processos ligados à violência doméstica, e até 31 de Agosto, deduziu 4 acusações, enquanto os restantes casos se encontravam ainda na fase de inquérito ou já concluídos com a dedução de acusação de outros crimes, como por exemplo, crime de ameaça, tendo conseguido na prática os bons efeitos intimidatórios e educacionais.

Por outro lado, com vista a assegurar um saudável desenvolvimento sócio-económico de Macau, tendo em conta as características dos sectores do turismo e do jogo, o Ministério Público, com base nas novas alterações à Lei n.º 2/2006 (Prevenção e repressão do crime de branqueamento de capitais) que incrementam a praticabilidade e operacionalidade deste diploma, vai reforçar o estudo das estratégias e o combate ao crime de branqueamento de capitais. De facto, a dedicação do Governo da RAEM a essa matéria já foi reconhecida pela comunidade internacional quando a Equipa de Avaliação do Grupo Ásia Pacífico contra o Branqueamento de Capitais (APG), enquanto organização internacional no domínio do combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, aprovou na sua reunião anual de 19 de Julho o Relatório de Avaliação Mútua da RAEM (MER), relatório esse que, gozando de autoridade internacional, examinou e evidenciou os enormes esforços e trabalhos realizados pelo Governo da RAEM e pelo sector privado na prevenção e combate ao branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e financiamento à proliferação de armas de destruição massiva. De entre as jurisdições que já se submeteram à respectiva avaliação, Macau tornou-se uma das regiões dotadas de um quadro normativo mais completo e cumpridor dos padrões internacionais no combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. O referido relatório vale também como o reconhecimento do trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho Interdepartamental contra o Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo. Sendo membro do Grupo de Trabalho Interdepartamental contra o Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, o trabalho do Ministério Público assume o especial relevo em toda a campanha contra o branqueamento de capitais. Nas práticas judiciais, o Ministério Público vai reforçar a colaboração com os serviços responsáveis pela aplicação da lei e pela fiscalização, nomeadamente, os de finanças, de alfândega e de polícia, sendo cada um desses serviços responsável pelo trabalho determinado e específico, cabendo ao Ministério Público recolher atempadamente as notícias de crime através de diversas vias de fiscalização, dirigir a investigação e deduzir a respectiva acusação. Cremos que desde o ano de 2016 em que se procedeu à alteração à lei relativa ao branqueamento de capitais (n.º 2/2006), tendo sido acentuada na legislação a autonomia do crime de branqueamento de capitais em relação aos crimes precedentes, podemos formular atempadamente um conjunto de cooperações judiciárias internacionais e regionais no que diz respeito a crimes precedentes envolvidos no respectivo inquérito por forma a que sejam maximizados os efeitos do combate à criminalidade de branqueamento de capitais, assegurando a estabilidade e funcionamento normal do sistema financeiro da RAEM.

Fazendo retrospectiva do ano judiciário anterior, é impossível esquivar-se do caso de corrupção em que estava envolvido o ex-procurador no seio deste órgão judiciário, pois o Ministério Público passou a estar na berlinda depois de ter sido detido o ex-procurador em 26 de Fevereiro de 2016, facto esse que abalou toda a sociedade. Da investigação até ao julgamento, surgiram algumas dúvidas ou até desentendimentos de algumas pessoas e até profissionais sobre o número de mais de 1.600 acusações deduzidas contra o arguido por parte do Ministério Público. No entanto, o Ministério Público, enquanto órgão judiciário com competência para o exercício da acção penal conferida pelo Estado, tem insistido no respeito pelos princípios da legalidade, da objectividade e da igualdade de todos perante a lei, só deduziu acusação contra o arguido com base nos factos apurados. Na verdade, após a fase de julgamento prevista na lei, o Tribunal de Última Instância confirmou a existência da maior parte dos factos contantes das acusações deduzidas pelo Ministério Público e acabou por proferir uma sentença justa, condenando o arguido na pena de 21 anos de prisão pela prática de 1.092 crimes.

Cremos que “a luz do sol é o melhor desinfectante”. O facto de o Ministério Público ter remetido, nos termos da lei, o auto ao Tribunal de Última Instância para o julgamento público tornou insustentável a alegação do arguido de que ele foi perseguido. Sendo sólidos os alicerces do Estado de Direito na RAEM, os órgãos judiciários, persistindo na independência judicial, tem apurado a responsabilidade criminal dos infractores, independentemente do cargo que ocupam.

Tendo em conta que este caso relevante provocou enorme impacto sobre toda a sociedade, gostaria de aproveitar esta ocasião para agradecer, em nome do Ministério Público, o pessoal do Comissariado contra a Corrupção pelos esforços árduos envidados na fase investigatória, assim como todo o pessoal do Ministério Público pela dedicação prestada à investigação complementar deste mesmo caso. Na realidade, desde 4 de Fevereiro de 2015, altura em que foi instaurado, para o caso, um inquérito e esse foi encaminhado para o Comissariado contra a Corrupção para proceder à investigação, o Ministério Público criou os grupos específicos de investigação e de acompanhamento do julgamento. Dado o grande volume de trabalho, os magistrados e oficiais de justiça encarregados da tramitação deste caso não podiam gozar as férias judiciais no período compreendido entre o ano de 2015 e o ano de 2017, ao passo que outros magistrados do Ministério Público partilhavam os trabalhos dos magistrados do Ministério Público titulares do caso em causa e o Gabinete do Procurador prestava apoios logísticos atempados e necessários à investigação deste mesmo caso. Sendo assim, quer na investigação quer no julgamento subsequente do caso em causa, evidencia-se plenamente o modo de funcionamento caracterizado pela “procuradoria como um todo” no exercício dos poderes do Ministério Público.

Por enquanto, com os esforços conjuntos envidados por todo o pessoal administrativo do Gabinete do Procurador, o regime de administração financeira deste gabinete tem sido aprimorado de acordo com os requisitos exigidos nos regimes jurídicos referentes à concessão de obras públicas e à aquisição de bens e serviços, assegurando, a nível institucional e estrutural, a legalidade e a transparência do procedimento da concessão de obras e da aquisição de bens e serviços do Ministério Público. Por outro lado, foi estabelecido um mecanismo rigoroso de fiscalização interna e definidos os critérios de trabalho que devem ser seguidos pelos departamentos responsáveis pela aquisição de bens e serviços, medida essa que visa fiscalizar a legalidade e racionalidade das despesas públicas. Cremos que depois de estabelecidos os mecanismos jurídico e institucional, o sistema do funcionamento financeiro do Ministério Público encontra-se totalmente conforme com as exigências previstas na lei.

Sua Excelência o Chefe do Executivo, no sistema judiciário de Macau, o Ministério Público, sendo representante dos interesses públicos, exerce a função de defesa do Estado de Direito principalmente mediante a representação da RAEM em juízo, o exercício da acção penal, a salvaguarda da legalidade e dos interesses legítimos. Ao mesmo tempo, o Ministério Público também fiscaliza a aplicação da Lei Básica da RAEM, nas situações previstas pelas leis processuais. Além disso, o Ministério Público, tanto na representação e defesa das camadas mais desfavorecidas e dos interesses difusos nos termos da lei como na direcção da investigação e no exercício da acção penal, cumpre rigorosamente os princípios da legalidade e da objectividade, apurando a veracidade dos factos ao abrigo da lei, resolvendo os problemas e punindo os criminosos nos termos dos procedimentos legais com o fim de proteger os interesses públicos e resguardar a integridade da ordem jurídica. Importa realçar que o Ministério Público, ao exercer a acção penal, deve desenrolar o trabalho de acordo com as leis processuais com eficiência e imparcialidade, visto que, conforme essas leis, cabe ao Ministério Público promover o início e andamento de toda a acção penal, decidindo a instauração do inquérito, sua direcção, arquivamento ou acusação nos termos da lei. Segundo o princípio acusatório, os factos acusados na acusação delimitam o âmbito de apreciação de factos de julgamento criminal, pelo que os magistrados do Ministério Público, no exercício das funções de defesa do Estado de Direito e de salvaguarda dos direitos humanos de ofendidos e arguidos, devem cumprir rigorosamente os princípios da legalidade e da objectividade, exercendo as suas funções ilustres com imparcialidade, qualidade e eficiência.

Sabemos que, como se prevê na Lei de Bases da Organização Judiciária e no Estatuto dos Magistrados, os magistrados do Ministério Público são formados em cursos profissionais, dotados de habilitações adequadas, com integridade e capacidades profissionais. Assim, para realizar o sonho profissional de um magistrado, temos que manter a honra e dignidade dessa profissão a qualquer tempo, exercendo positivamente as funções de salvaguarda da legalidade e interesses públicos, insistindo em actuar de forma célere e justa nos termos da lei, respeitando e protegendo a dignidade humana, defendendo os direitos humanos com vista a garantir o bom funcionamento dos procedimentos judiciais legalmente previstos e do sistema de justiça penal.

Para terminar, gostaria de aproveitar esta ocasião para partilhar, como encorajamento mútuo, com todos os colegas magistrados uma história chinesa que tem origem na obra “Hou Han Shu”, uma obra sobre a história da Dinastia Han Oriental, na qual se conta como o Sr. Yangzhen rejeitou a oferta de ouro. Enquanto Yangzhen passava pela cidade Chang, o erudito Wangmi vindo de Jingzhou, que o Yangzhen tinha proposto para exercer o cargo de governador da cidade Chang, trouxe à noite 5 quilos de ouro para oferecer a Yangzhen. Então, Yanzchen disse: “somos amigos velhos e conheço-te muito bem, mas porque é que não me conheces nada?” Wangmi respondeu: “Ninguém sabe o que se passa à noite.” Yangzhen acresentou: “O ceú sabe, a terra sabe, eu sei e tu sabes, então como é que podia dizer que ninguém sabia!”. Ao ouvir disso, Wangmi foi-se embora, envergonhado.

***

Ex.mo Senhor Chefe do Executivo, e todos os convidados, com o esforço conjunto envidado por todo o pessoal do Ministério Público, acreditamos que todos os magistrados do Ministério Público, sem se esquecerem dos seus propósitos originais que lhes levaram a ingressar nessa carreira, vão exercer com rigor as funções solenes associadas à profissão de magistrado.

Por ocasião desta sessão solene de abertura do ano judiciário, o Ministério Público gostaria de dirigir as mais respeitosas saudações ao corpo da magistratura judicial da RAEM assim como a todos os advogados, que intervêm na construção do sistema do Estado de Direito da RAEM.

Obrigado a todos!

*O número deve ser “694” – actualizado em 28 de Junho de 2018

 

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