Sua Excelência o Chefe do Executivo
Exm.º Senhor Presidente da Assembleia Legislativa
Exm.º Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância
Exm.ª Senhora Secretária para a Administração e Justiça
Exm.º Senhor Presidente da Comissão Independente Responsável pela Indigitação dos Candidatos ao Cargo de Juiz
Exm.º Senhor Presidente da Associação dos Advogados de Macau
Ilustres convidados e amigos dos sectores judicial e jurídico
Senhoras e Senhores
Antes de mais, permitam-me apresentar, em nome do Ministério Público da R.A.E.M., as calorosas boas-vindas a todos os presentes nesta Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário 2016/2017, presidida por Sua Excelência o Chefe do Executivo e agradeço a vossa presença e o vosso testemunho numa ocasião tão solene. Nesta altura, aqui reunimos, tendo por objectivo proceder ao balanço e fazer uma perspectiva para o futuro, que visa demonstrar o princípio do primado da lei persistido pelos órgãos judiciários e manifestar o nosso objectivo comum, tanto no que respeita à legalidade como à protecção do alicerce da justiça junto da sociedade.
Tratando-se do órgão judiciário que exerce função jurisdicional, o Ministério Público da R.A.E.M. desempenha um papel activo de concretizador e defensor perante o espírito de Justiça. Através da dedução de acusações e promoção nas acções penais, o M.P. contribui para a protecção da vida, dos bens e dos direitos e interesses fundamentais dos cidadãos, nos termos da lei; a intervenção nos processos administrativos visa a supervisão legal da aplicação da lei em matéria administrativa e a defesa do princípio fundamental da legalidade administrativa; a intervenção nos processos civis e laborais permite a salvaguarda dos direitos e interesses legais das classes mais desfavorecidas e dos trabalhadores, com vista a salvaguardar a igualdade e a justiça na sociedade.
No ano judiciário 2015/2016, o Ministério Público autuou 13.964 processos penais, representando uma descida de 3,26% quando comparado com o ano judiciário 2014/2015; foram findos 17.335 processos, representando um aumento de 22,82% face ao período homólogo do ano judiciário transacto; foram deduzidas 4.577 acusações, registando-se uma subida de 9,16 % em relação ao ano judiciário 2014/2015. Os processos arquivados atingiram 12.449, registando-se uma subida de 30,41%. Em 9.726 processos penais foi registada a intervenção e comparência na audiência de julgamento, 44 interposições de recurso em matéria penal, 113 pareceres acerca das causas penais e 331 respostas a recursos penais.
Analisados os elementos estatísticos relativamente aos processos autuados, os crimes contra o património ocuparam a percentagem mais elevada em todos os crimes cometidos durante o ano judiciário 2015/2016, totalizando 5.615 nos crimes de furto, roubo, dano patrimonial e burla, entre outros; 1.524 no crime de ofensa à integridade física; 1.347 no crime de imigração ilegal e outros subjacentes deste crime; 1.277 em crimes relacionados com o acidente de viação. Na generalidade, o número de processos dos crimes supramencionados sofreu uma redução, ainda que em nível diferente comparativamente com o do ano judiciário 2014/2015.
A origem histórica da intervenção do órgão jurisdicional nos processos cíveis e administrativos remonta a longa data, tendo-se esta intervenção, desde a criação do sistema jurisdicional, tornado gradualmente como uma tendência importante do desenvolvimento do sistema jurisdicional moderno. Verifica-se que o sistema jurisdicional de Macau tem como pressuposto o modelo acusatório na matéria penal, com a intervenção adequada do poder judiciário, conforme a lei, nas acções cível e administrativa, como sendo parte integrante importante das funções jurisdicionais.
O Ministério Público intervém oficiosamente nos processos do foro cívil que envolvem os incapazes, incertos e ausentes, assim como naqueles que implicam a defesa dos menores. No ano judiciário 2015/2016, os delegados do procurador do Serviço junto do Tribunal Judicial de Base intervieram e compareceram na audiência de julgamento em 1.411 processos civis; intervieram em 215 processos do Juízo de Família e de Menores; autuaram 1.103 novos processos administrativos internos no âmbito desta matéria; concluíram, um total, 1.390 processos que abrangeram os autuados no ano judiciário 2015/2016 e os transferidos do ano judiciário passado. O Ministério Público ainda promoveu, oficiosamente, a instauração de 608 processos civis no ano judiciário anterior.
Em conformidade com o Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público assume o patrocínio oficioso dos trabalhadores e dos seus familiares nos tribunais uma vez envolvidos nos processos laborais relativos aos seus interesses e direitos. No ano judiciário 2015/2016, foram instaurados 647 processos laborais, dos quais, 364 relativos a acidente de trabalho e doença profissional e 283 processos comum do trabalho; o M.P. presidiu, oficiosamente, na tentativa de conciliação nos referidos processos, conseguindo chegar a acordo na sua maioria, com excepção de 51 processos relativos ao acidente de trabalho e doença profissional e 17 processos comum do trabalho, nos quais foi proposta acção.
Como vulgarmente se diz, no processo administrativo, aos cidadãos é atribuído pela lei o direito de interpor acção contra as autoridades. Geralmente, o poder administrativo, enquanto um poder público, situa-se na posição de superioridade e conta com uma característica de expansão do poder. Quando as pessoas singulares ou entidades colectivas se encontram num processo judicial, encarando o poder público, é importante garantir a igualdade processual das partes. Por outras palavras, através da sua intervenção nos processos administrativos, o Ministério Público cumpre a sua função jurisdicional na área do processo administrativo nos termos legais, seja na salvaguarda dos legítimos direitos e interesses, seja na supervisão da aplicação certa da lei.
É evidente que as ocorrências dos processos administrativos reflectem, em certa medida, o estado do funcionamento dos serviços públicos. Partindo das atribuições de supervisão da legalidade e da salvaguarda dos legítimos interesses da R.A.E.M., o nível e a forma da intervenção do Ministério Público nos processos administrativos variam conforme o tipo e procedimento do processo. No ano judiciário 2015/2016, registaram-se 394 processos administrativos, com uma subida de 19,39% face ao mesmo período do ano transacto em que foram registados 330 processos. O Ministério Público interveio 35 vezes em representação do Governo da R.A.E.M. e com intervenção principal, apresentando articulados ou requerimentos. É de referir que os processos relativos aos terrenos do Estado, que são alvo de atenção por parte da sociedade, no pressuposto da insistência na legalidade, o Ministério Público está muito firme em salvaguardar os interesses legais da R.A.E.M. de modo a defender uma correcta aplicação da lei.
Aplicando a lei com os procedimentos legais, os órgãos judiciários têm cumprido as suas funções de salvaguardar os legítimos direitos e interesses e efectivar a responsabilidade de qualquer acto ilícito. De certo modo, a promoção e intervenção no julgamento pelo Ministério Público é considerado como um processo de estudo empírico da lei e avaliação do resultado da sua aplicação. No processo legislativo ordinário, a entrada em vigor e produção dos efeitos da lei não é um ponto final do problema mas sim um começo da prática jurídica, uma vez que é através do processo judicial que se pode verificar se o direito positivo, atinge, ou não, o objectivo legislativo, na nossa vida real, permitindo, assim, ao sistema jurídico, com uma função importante para a gestão social, actualizar-se e adaptar-se ao desenvolvimento social, bem como dirigir a sociedade perante o seu desenvolvimento. Por ora, e tendo em conta a prática judiciária do Ministério Público, estamos particularmente atentos ao seguinte:
Em relação ao crime de branqueamento de capitais, no ano judiciário 2015/2016, foram autuados 224 processos e deduzidas 2 acusações*, enquanto que no ano imediatamente anterior foram autuados 140 processos e deduzidas 2 acusações. Como demonstram os números, verifica-se uma desproporção entre a taxa de autuação e de dedução de acusação nos últimos dois anos, uma vez que alguns inquéritos foram arquivados por inexistência de indícios da prática de crime após a investigação e outros embora com muitas suspeitas, foram também arquivados temporariamente por insuficiência de indicios para avançar com a dedução de acusação; na verdade, a partir da lei (Prevenção e repressão do crime de branqueamento de capitais) e legislação complementar, verificamos que a dificuldade no combate ao branqueamento de capitais consiste em descobrir os indícios de crimes subjacentes; no entanto, pelo facto objectivo de que a R.A.E.M. e o exterior têm mantido laços estreitos a nível económico, as autoridades competentes para investigação, muitas vezes, não conseguem obter, no exterior e de forma atempada, as informações favoráveis à verificação da existência do crime subjacente quando procedem à investigação criminal contra as actividades de lavagem de dinheiro que envolvem o interior da China ou o exterior. Por consequência, na prática judiciária, estamos perante o dilema em que os requisitos legais para a acusação são difíceis de serem preenchidos. Posto isto, merece a nossa reflexão na seguinte questão: como é que poderemos reforçar a eficiência do combate ao branqueamento de capitais através da actualização da legislação de Macau relativa a esta matéria, bem como reforçar a cooperação judiciária em matéria penal com as jurisdições vizinhas e estrangeiras.
Sobre a questão de responsabilidade criminal provocada por acidentes de viação, graças à intensificação contínua das operações stop e no combate às infracções de trânsito, registaram-se 1.277 infracções causadas por acidente de viação, o que significa uma descida de 10,95%, quando comparado com o ano judiciário anterior, mas ainda foram autuados 79 inquéritos, sendo na sua maior parte arguidos jovens, com idades compreendidas entre 22 e 40 anos. Tendo em conta que o crime de condução sob influência de álcool e de estupefacientes pode acarretar resultados devastadores aos próprios transgressores e aos outros em termos de segurança física e direito patrimonial e, com o objectivo de assegurar a segurança pública, consideramos que, para além de sensibilizar os condutores, através do reforço da execução e propaganda das leis, nesta matéria concernente para a segurança rodoviária, no sentido de alertar que conduzam com prudência, temos ainda de realizar, no ponto de vista científico de criminologia, estudos específicos sobre as sanções penais impostas aos infractores e a forma da aplicação das medidas de coacção, durante o período em que se encontram a aguardar julgamento, para prevenir e punir efectivamente estes actos criminosos que desprezam a vida e o património dos outros, bem como a segurança pública.
Os crimes relativos a estupefacientes é um problema que tem causado enorme impacto sobre a segurança e a ordem social. No passado ano judiciário, foram autuados 332 inquéritos pela prática de crimes relativos a estupefacientes, nomeadamente, consumo, tráfico e detenção indevida de utensílio, ou seja, mais 9,21% do que o ano judiciário anterior; na prática, tanto Macau como a sociedade internacional, têm prestado a devida atenção aos actos relacionados com estupefacientes e até têm tomado fortes medidas no seu combate.
A fim de elevar e reforçar a eficácia no combate a esta criminalidade, mostra-se necessária a revisão das leis no âmbito de prevenção e combate, que tem sido uma atenção constante e especial da sociedade, pretendendo esta que sejam intensificados os efeitos intimidatórios das leis e aumentado o limite mínimo das penas.
Ainda, relativamente aos projectos de lei, o Ministério Público emitiu uma série de sugestões aos serviços competentes para os assuntos jurídicos, de acordo com a prática judiciária, esperando, assim, que em termos legislativos, se possa atingir o objectivo, na revisão das legislações, para um melhor combate à criminalidade ligada aos estupefacientes.
Recentemente, a sociedade tem discutido muito a gestão dos solos que são propriedade do Estado, este facto além de implicar um enorme interesse económico, a sua forma de tratamento vai ter grande influência na sociedade, pelo que, o Ministério Público continuará a cumprir dentro das suas competências e de acordo com a lei, os respectivos procedimentos legais, para defender os interesses públicos da R.A.E.M..
Ilustres convidados,
Como todos nós sabemos, o Estado de Direito é governar segundo a lei, o qual pode ser caracterizado pelas actuações de acordo com a lei e pela integração do funcionamento da sociedade no quadro jurídico, com vista a concretizar os objectivos da justiça material, ou seja, a imparcialidade e a justiça, bem como a restrição dos poderes e protecção dos direitos fundamentais. Sem dúvida nenhuma, e mais uma vez, o poder do Ministério Público que tem como meta defender a legalidade, irá exercer as suas funções em cumprimento das competências determinadas pela lei.
Em Fevereiro de 2016, o ex-Procurador da R.A.E.M. foi detido por suspeita de infracção criminal, mas em observância do princípio fundamental da presunção de inocência, neste momento não se deverá discutir o caso em concreto. Não obstante, esta ocorrência, objectivamente, pode levar a que a sociedade ponha em causa o bom funcionamento do Ministério Público, mas, se virmos noutra perspectiva, o apuramento dos factos no respectivo inquérito e os subsequentes trâmites processuais revelam justamente que a R.A.E.M. concretiza escrupulosamente o princípio do primado da lei que vem consignado na Lei Básica e cumpre firmemente as exigências da actuação em estrita conformidade com a lei e a sua execução rigorosa. Com efeito, após esta ocorrência, ao abrigo do sistema político fundado pela Lei Básica e em conjugação dos esforços de todos os magistrados e oficiais de justiça, o funcionamento do Ministério Público decorreu com normalidade no exercício das suas funções jurisdicionais. Ainda, com o esforço conjunto de todos os funcionários administrativos do Gabinete do Procurador, à luz da exigência do regime jurídico relativamente à aquisição de bens e serviços e concessão de obras públicas, vêm aperfeiçoando o nosso sistema financeiro e de contabilidade, a fim de se ver garantida a legalidade e transparência desses procedimentos dentro da nossa instituição. Actualmente, estamos confiantes que o funcionamento do sistema financeiro do Ministério Público não merece reparo da fiscalização e vigilância dos mecanismos existentes bem como de toda a sociedade.
No passado ano judiciário 2015/2016, com a aposentação de um delegado do procurador, com o regresso a Portugal de um procurador-adjunto de nacionalidade portuguesa e a saída de um procurador-adjunto para desempenhar funções, em comissão de serviço, junto da Administração, acentuou-se o problema relativo à insuficiência do número de magistrados. Entretanto, graças ao esforço envidado por todos os magistrados e à colaboração dos oficiais de justiça, o Ministério Público conseguiu ultrapassar a dificuldade objectiva de resolver uma grande quantidade de processos com um número reduzido de pessoal, no sentido de, de uma forma dinâmica, pôr fim aos processos pendentes e impulsionar o decurso dos processos judiciais. Face a tal, no ano judiciário transacto, o número total dos processos findos pelo Ministério Público aumentou em relação ao ano antecedente. Na verdade, no passado ano judiciário, deparámo-nos com processos de grande complexidade, no entanto, tendo o Ministério Público como princípios institucionais a unidade, os magistrados apoiaram-se, colaborando mutuamente, e, ainda, por iniciativa própria, alguns magistrados assumiram determinados trabalhos extraordinários resultantes dos ajustamentos necessários que foram feitos nos planos de trabalho.
A exemplo, nas passadas férias judiciais de Verão dos anos 2015 e 2016, alguns dos magistrados sacrificaram as suas férias em prol da resolução de processos não susceptíveis de demora. Permitam-me aqui, na qualidade de procurador da R.A.E.M., expressar os meus sinceros agradecimentos aos colegas magistrados do Ministério Público, pelo desempenho fiel das funções que lhe são confiadas, bem como aos oficiais de justiça e pessoal administrativo, pelo esforço envidado no sentido de colaborar com os magistrados nos seus trabalhos.
Neste momento, com o auxílio dos serviços para os assuntos de justiça da R.A.E.M., o Centro de Formação Jurídica e Judiciária já procedeu à abertura do curso de formação para provimento no cargo de escrivão de direito do Ministério Público e também já está em curso a preparação para a abertura do novo concurso para admissão ao curso para ingresso nas carreiras de oficial de justiça do Ministério Público. Assim sendo, levando em consideração a tomada de posse de novos magistrados, a concretização da actualização do sistema de gestão de processos do Ministério Público, o suprimento adequado de mais oficiais de justiça, assim como o arranque das obras de construção do edifício provisório do Ministério Público, tudo a ter lugar no próximo ano, há razões para crer que no Ministério Público, em termos de funcionamento ocorrerá, gradualmente, uma melhoria no ambiente de trabalho.
Meus prezados colegas magistrados, funcionários de justiça e de apoio administrativo, amigos do sector da advocacia, os trabalhos judiciários consistem na defesa da ordem social e na realização da justiça, a levar a cabo pelo poder judiciário, sendo que nós, enquanto magistrados profissionais, percebemos muito bem a responsabilidade que a lei nos atribui de defender o primado da lei. Estou convicto que enquanto forem defendendo a legalidade e o interesse público, os magistrados do Ministério Público da RAEM manterão a vontade primordial com que sempre se dedicaram à magistratura, procurando defender a justiça de forma abnegada e intrépida, com um espírito de renovação no sentido de “renovar o intelecto todos os dias, persistir nesta tarefa e renovar novamente o intelecto todos os dias”, concretizando o ideal sobre o Direito - “ser justo como é a água e… eliminar toda e qualquer desigualdade e parcialidade encontrada” - no interesse da realização da justiça, empenhando-se deste modo em ganhar o reconhecimento da generalidade dos cidadãos, com os nossos resultados de trabalho e assiduidade.
Exm.º Senhor Chefe do Executivo, nesta sessão solene de abertura do ano judiciário, apresento os meus sinceros agradecimentos a todos os presentes, nomeadamente, à Vice Procuradora Geral Permanente Hu Zejun da Suprema Procuradoria Popular e aos magistrados do Supremo Tribunal Popular da China, que vieram de longe prestigiar esta sessão solene de abertura do ano judiciário. Acreditamos que o apoio dado por toda a sociedade servirá de impulso ao Ministério Público para desempenhar com rigor o seu papel de defensor da lei.
Muito obrigado, desejo-vos saúde e prosperidade no trabalho!
*O número deve ser “4” – actualizado em 28 de Junho de 2018
Estatísticas do Ministério Público referentes ao ano judiciário 2015/2016